A pesquisa, as leituras e as reflexões que tenho vindo a levar a cabo sobre o "mental load" das mulheres e aquilo a que chamei a engenharia doméstica e familiar levaram-me a realizar que nas questões de género estamos, ainda, à superfície da água, existindo um enorme e profundo oceano por explorar. Tentamos, colectivamente, abordar e tratar assuntos urgentes como a violência sobre as mulheres, as desigualdades salariais e tantas outras desigualdades cívicas que permanecem. A luta das mulheres está na rua e estará, há muito por fazer. E eu lá estarei.
Mas existe outra luta, talvez a mais importante de todas, que a maioria de nós recusa. Esta luta é pessoal e intransmissível, é uma luta interior. Carregamos, todos, dentro de nós, os frutos da sociedade patriarcal, sementes germinadas há séculos e que se misturam perigosamente com aquilo que achamos que somos. Deixei de conseguir afirmar que sou uma mulher livre porque percebi que ainda não sou.
Ao explorar o terreno pantanoso que é a nossa mente, percebemos como é difícil distinguir o que é nosso, daquilo que nos foi lá colocado. Sobretudo, torna-se impossível continuarmos presunçosamente a considerar que somos muito modernos e resolvidos. Eu, descobri em mim muito da mulher submissa que achei nunca ter encarnado e que sempre repudiei. Descobri em mim o machismo como uma espécie grilheta transparente que me trava sempre que o atrevimento de querer ser livre desperta. Descobri preconceitos, pequenos nadas, quase imperceptíveis, mas que me têm impedido de progredir sem que eu percebesse como ou porquê.
A minha mulher selvagem está ainda aprisionada, mas agora um pouco mais consciente do que a limita. Este trabalho interno é essencial, e todos os que têm o privilégio de viver uma vida acima do nível da sobrevivência, deviam propor-se a fazê-lo, de forma honesta e humilde. De outra forma, a luta na rua não terá fim, porque continuaremos a ser o inimigo sem sequer percebermos... inconscientemente.